Se, por um lado, o tamanho gigantesco dos Correios é algo que pode despertar o interesse de possíveis compradores (o mercado já fala em nomes como FedEx, DHL, Magazine Luiza e Amazon como concorrentes na privatização sinalizada pelo governo federal), por outro é justamente a sua capilaridade que pode assustar investidores. O atendimento fora dos grandes centros urbanos, nas localidades mais remotas, será uma das maiores dificuldades a ser superada se algum grupo privado assumir a estatal.
O secretário geral do Sindicato dos Trabalhadores em Correios e Telégrafos do Rio Grande do Sul (Sintect-RS), Alexandre Nunes, recorda que os Correios são o maior operador logístico do País, alcançando todos os 5.570 municípios do Brasil e contando com em torno de 99 mil funcionários. “Os concorrentes, juntos, estão presentes em apenas cerca de 600 cidades”, afirma. Ele lembra ainda que essas companhias, muitas vezes, utilizam os serviços dos Correios para chegar onde não atingem com recursos próprios.
O sindicalista argumenta que a iniciativa privada trabalha sob a ótica da maximização do lucro e sem um agente público atuando no setor algumas localidades podem ficar sem atendimento ou com um serviço precário. Nunes acrescenta que, hoje, 92% da arrecadação dos Correios ocorre em 397 municípios, o restante são operações deficitárias. A empresa consegue trabalhar com as cidades que não geram tanto valor no negócio, devido a essa espécie de subsídio cruzado das arrecadações conquistadas nos grandes centros.
Outro ponto que faz o secretário geral do Sintect-RS justificar sua contrariedade à privatização é o fato da empresa não apresentar prejuízo. No ano passado, os Correios registraram um lucro de R$ 102 milhões e as receitas de vendas de produtos e de prestação de serviços atingiram R$ 19,1 bilhões. Além de ser um forte player no mercado de encomendas, a companhia detém o monopólio do envio de cartas, telegramas e malotes.
Conforme relatório da estatal, em 2019, 48% das receitas de vendas da empresa foram oriundas do segmento de encomendas (em que concorre com outras companhias), 39% de mensagens (no qual há o monopólio) e o restante através de outros serviços. Ainda segundo o documento, o indicador market share, que visa mensurar o percentual de participação dos Correios no mercado brasileiro de encomendas, apontou uma fatia de 43,60% para a estatal nessa área, o que representa uma receita bruta de cerca de R$ 9,1 bilhões. O tráfego postal acumulado dos Correios atingiu 5,066 bilhões de objetos distribuídos.
Se o ano passado foi lucrativo para a empresa, 2020 pode ser mais promissor ainda. O secretário geral do Sintect-RS informa que no primeiro semestre deste ano o lucro já havia subido para R$ 614 milhões, puxado, especialmente, pelo aquecimento do e-commerce. “Durante a pandemia, todas as empresas que não vendiam produtos pela internet passaram a fazer essas comercializações e postaram (os itens vendidos) nos Correios”, salienta Nunes.
Já o bacharel em Administração de Empresas pela Universidade de Ribeirão Preto (Unaerp) e autor do livro Avaliação de empresas – e os desafios que vão além do Fair Value, Fernando Dias Cabral, argumenta que uma possível privatização pode acarretar melhoria na qualidade e velocidade da entrega das encomendas, pois a eficiência dos Correios pode ser aprimorada. Ele considera o serviço digital da estatal, por exemplo, como algo que precisa evoluir. Porém, Cabral ressalta que a empresa tem melhorado sua operação. Uma prova disso é que o Indicador de Entrega no Prazo (IEP) vem evoluindo. Em 2017, os Correios registraram um desempenho de 88,53% nesse balizador, contra 90,74% em 2018 e 97,37% no ano passado.
Apesar de ver possibilidades de que uma alienação dos Correios implique agilização dos processos, Cabral também adverte que a privatização, dependendo dos moldes em que for feita, pode ser prejudicial para a prestação do serviço. Ele argumenta que se o vencedor da licitação pagar um valor muito elevado pela estatal poderá ficar sem capital para investir no melhoramento da empresa. Outro tópico que impactará a questão da possível venda é se os Correios preservarão ou não o monopólio quanto à movimentação de cartas, telegramas e malotes.
E-commerce passa por transformação no Brasil e recebe outros concorrentes
O ano de 2020 tem sido um divisor de águas para a logística de entrega de produtos no Brasil. Além da discussão sobre a possível privatização dos Correios, a pandemia do coronavírus fez com que as vendas através do e-commerce disparassem no País. Sobre o tema, o conselheiro e coordenador do comitê de e-commerce da Associação Brasileira de Logística (Abralog) José Roberto Lyra, comenta que a situação do vírus forçou a digitalização de muitas empresas.
“A procura por serviços de logística se elevou muito, principalmente no e-commerce, porque tinha o consumidor que já comprava e aquele que começou a experimentar, pois não podia sair de casa”, frisa. Dados da Associação Brasileira de Comércio Eletrônico (ABComm) apontam que mais de 150 mil e-commerces foram abertos desde o começo da pandemia. Lyra acrescenta que até pequenos empreendedores, que não tinham o hábito de vender online, de repente “descobriram” essa opção.
Ele salienta que as grandes empresas, que têm seus próprios marketplaces (e-commerce em que lojistas podem comercializar seus produtos), como Amazon, Magazine Luiza e Via Varejo, facilitaram o acesso a esses espaços para companhias menores, que tinham apenas estabelecimentos físicos, e ofereceram a possibilidade de entregar os artigos dessas empresas. Lyra antecipa que as compras digitais deverão continuar acelerando, mesmo quando a pandemia reduzir.
O CEO da Intelipost (plataforma de gestão de fretes no Brasil), Stefan Rehm, confirma que houve um relevante aumento da demanda logística durante o período de pandemia. Ele compara o cenário como se houvesse uma Black Friday todos os dias. “E esse pico aconteceu sem preparação ou planejamento algum, foi algo desafiador”, enfatiza. Sobre a verdadeira Black Friday 2020, marcada para novembro, Rehm adianta que, dentro da conjuntura que se apresenta, será o maior evento dessa natureza já realizado até agora no País.
A Intelipost, por oferecer uma tecnologia de gestão logística, principalmente para e-commerces e marketplaces, percebeu um aumento expressivo nas suas demandas. Em um comparativo entre o primeiro semestre de 2019 e o de 2020, a partir da mesma base de clientes, foi observado um incremento de 86% no número de pedidos. A companhia está conectada a mais de 450 clientes espalhados por mais de 4 mil lojas, permitindo assim ter uma boa visibilidade do comportamento do e-commerce por segmento. Os setores que tiveram os desempenhos mais destacados foram o de Casa & Decoração ( 224,8), Eletro & Eletrônicos ( 159,7), Construção & Ferramentas ( 142,5), Moda & Caçados ( 113,1%), Informática ( 105,8%), Saúde & Cosméticos ( 93,4%), Alimentos e Bebidas ( 48,9%) e Livros & Revistas (39,2%).
O diretor de logística da FedEx Express, Eduardo Araújo, também atesta que diversos estudos mostraram que o e-commerce brasileiro registrou crescimento durante a pandemia. “Para este final de ano, estamos esperando um volume maior em comparação ao ano passado, e o e-commerce terá papel fundamental neste cenário durante a Black Friday e o Natal” projeta o executivo. Em resposta ao aquecimento do mercado, a empresa realizou investimentos em sua estrutura e pretende abrir 800 vagas temporárias para reforçar a base operacional no Brasil. Também aumentou a capacidade de suas instalações em Queimados (RJ) e Viana (ES) e inaugurou uma filial em Curitiba (PR).
FONTE: Jefferson Klein- Jornal do Comércio